O custo do descumprimento da lei: unificação da sistemática de multas administrativas e atualização monetária de juros e débitos judiciais trabalhista  

por Bruno Quaresma Nogueira, advogado

 

 

  1. Multas administrativas trabalhistas antes e depois da Medida Provisória nº 905/2020:

 

Dentre as diversas alterações na legislação trabalhista trazidas pela Medida Provisória 905/19, uma delas é a atualização da tabela de multas administrativas e escalonamento de infrações trabalhistas dispostas na CLT.

 

A Portaria nº 290/97 dispunha sobre as normas e a tabela para a imposição de multas administrativas previstas na legislação trabalhista, ao passo que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) alterou apenas algumas destas multas administrativas, por exemplo, a infração pelo não registro de empregado em Carteira de Trabalho e Previdência.

 

A Portaria 290/97 estabelecia uma tabela em UFIR (sigla de Unidade Fiscal de Referência), ou seja, um indexador usado como parâmetro de atualização do saldo devedor de tributos e valores relativos a multas e penalidades de diversas naturezas.

 

As multas são estabelecidas em valor fixo por infração, em valor fixo por emprego ou variável. No último caso, o Ministério do Trabalho e Emprego definiu critérios para a apurar os valores, estabelecendo que, se a Lei não determinar sua imposição pelo valor máximo, as multas variáveis serão graduadas observando-se: a natureza da infração; a intenção do infrator; os meios ao alcance do infrator para cumprir a legislação; a extensão da infração; situação econômico-financeira do infrator.

 

Assim, o valor final da multa administrativa variável será calculado aplicando-se 20% do valor máximo previsto na Lei, acrescidos de 8% a 40%, conforme o porte econômico do infrator, nos termos da extensão da infração.

 

Pois bem. Com a edição da Medida Provisória 905/19 os valores e critérios para aplicação de multas administrativas trabalhistas restam drasticamente alterados através da inclusão do artigo 634-A no texto legal da Consolidação das Leis do Trabalho, que possui a seguinte redação:

 

“Art. 634-A. A aplicação das multas administrativas por infrações à legislação de proteção ao trabalho observará os seguintes critérios:

 

I – Para as infrações sujeitas a multa de natureza variável, observado o porte econômico do infrator, serão aplicados os seguintes valores:

a) de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais), para as infrações de natureza leve;

b) de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), para as infrações de natureza média;

c) de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), para as infrações de natureza grave; e

d) de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), para as infrações de natureza gravíssima; e

 

II – Para as infrações sujeitas a multa de natureza per capita, observados o porte econômico do infrator e o número de empregados em situação irregular, serão aplicados os seguintes valores:

a) de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 2.000,00 (dois mil reais), para as infrações de natureza leve;

b) de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 4.000,00 (quatro mil reais), para as infrações de natureza média;

c) de R$ 3.000,00 (três mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais), para as infrações de natureza grave; e

d) de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais), para as infrações de natureza gravíssima”.

 

Importante salientar que, caso haja pagamento voluntário, sem recurso administrativo, para empresas individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, empresas com até vinte trabalhadores e empregadores domésticos, os valores das multas aplicadas serão reduzidos pela metade, enquanto as demais empresas receberão desconto de 30% sobre o valor total da penalidade.

 

A MP nº 905/2019 ainda diz, no § 2º do artigo 634-A, que a classificação das multas, o enquadramento por porte econômico do infrator e a natureza da infração serão definidos por ato do Poder Executivo federal, com atualização de valores nos dias 1º de fevereiro de cada pelo IPCA-E, ou por índice que venha substituí-lo.

 

 

  1. A atualização monetária de juros e débitos judiciais trabalhistas pré e pós Medida Provisória 905/2019:

 

O § 7º do art. 879 foi incluído na CLT pela Lei 13.467/2017 e insistia na aplicação da TR para a atualização monetária dos débitos trabalhistas, apesar das reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido de que esse índice ofende o direito de propriedade e, portanto, é inconstitucional (ADIs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425). A nova redação dada ao § 7º do art. 879 da CLT vai ao encontro das decisões do STF, determinando que “a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela variação do IPCA-E, ou por índice que venha substituí-lo, calculado pelo IBGE (...)”.

 

Entretanto, a parte final do § 7º do art. 879 da CLT, inserida pela MP 905/19, passou a estabelecer que o IPCA-E “deverá ser aplicado de forma uniforme por todo o prazo decorrido entre a condenação e o cumprimento da sentença”. Claramente, o trecho final do dispositivo pode gerar interpretação que acarreta na inexistência de atualização entre o vencimento da obrigação e a condenação, medida catastrófica aos direitos do trabalhador.

 

Ademais, inviável defender que para o período anterior à condenação poderia ser aplicado o índice de correção da caderneta de poupança, conforme estabelece o caput do art. 39 da Lei 8.177/1991, com nova redação também dada pela MP 905, visto que a adoção desse tipo de índice é inconstitucional, conforme já decidiu o STF.

 

Assim, ainda que a MP 905/19 altere o § 7º do art. 879 da CLT em conformidade com a posição jurisprudencial do STF, impondo a aplicação do IPCA-E como índice de correção monetária, cria uma forma jurídica inconcebível quanto à data de incidência da correção, ou seja, a data da condenação judicial e não mais a data de ajuizamento da reclamatória.

 

Importante mencionar que a MP em debate reconhece expressamente que uma coisa é a correção monetária (IPCA-E) e outra são os juros de mora previstos, tanto que promoveu a alteração no § 7º do art. 879, ao mesmo tempo em que modificou, sem abandonar a nomenclatura de “juros de mora”, o art. 39 e seu § 1º da Lei n. 8.177/91. Porém, ao reduzir os juros de mora ao patamar da caderneta de poupança em uma área jurídica bastante suscetível a descumprimentos legais, a MP contempla o ato ilícito empresarial e aumenta a sensação de impunidade.

 

A modificação do art. 883 da CLT, que trata da aplicação de juros de mora em caso de necessidade de execução de sentença judicial, ainda acarreta uma drástica redução nos juros que passam de 12% ao ano para cerca de 3,5%, considerando os reajustes da caderneta de poupança promovidas levando em consideração a taxa SELIC.

 

Trata-se, portanto, de alteração legislativa que não constitui mera flexibilização de regras trabalhistas como prega o Governo Federal, mas sim de verdadeira manobra jurídica que suprime direitos dos trabalhadores e os transfere em favor da classe empresaria, demonstrando que a intenção governamental, de forma velada, é reduzir os passivos de diversas empresas estatais mergulhadas em dívidas trabalhistas.

 


[1] Texto apresentado por ocasião do Seminário de Preparação das Negociações Coletivas 2020/21, da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Estado do Rio Grande do Sul – FTIARS, como material de apoio dentro do “Mini Curso” sobre a MP 905, com o objetivo de levar ao conhecimento da categoria os aspectos gerais sobre o custo do descumprimento da legislação trabalhista após a MP 905;