As negociações coletivas após a Medida Provisória nº 905
por Thiago Lannes Lindenmeyer e Renato Meroni Bretanha, Advogados
A prevalência do negociado sobre o legislado, como introduzida nos artigos 8º, §3º, 611-A e 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho, seria, segundo o apregoado pelos entusiastas das recentes alterações na legislação trabalhista, a materialidade do direito social fundamental ao reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, como previsto no inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal, com o suposto intuito de fortalecer o papel das entidades sindicais na adequada resposta ao caráter dinâmico do mundo do trabalho.
Evidentemente, o dito objetivo encontrou, no seu nascedouro, obstáculos de difícil transposição.
O primeiro, o enfraquecimento da sustentação financeira das entidades sindicais, com o abrupto fim da automaticidade e compulsoriedade da contribuição sindical em meio ao recrudescimento da jurisprudência restritiva ao estabelecimento em assembleia de contribuições em favor da entidade sindical, sem a autorização prévia e individual.
A partir da nova realidade, a sustentação financeira das entidades sindicais, pressuposto para a sua sobrevivência, passou a fazer parte do rol de itens da mesa de negociações, bem como a possibilidade da introdução de direitos diferenciados em favor dos associados, tomando precioso espaço antes destinado à melhoria das condições materiais da classe trabalhadora.
O segundo, o esvaziamento das matérias típicas de negociação coletiva, ante a possibilidade, prevista em lei e observados determinados parâmetros, da contratação de flexibilizações via acordo individual, tanto em relação a modalidade de contrato – intermitente, temporário, terceirizado, parcial –, a jornada de trabalho – compensação semanal, compensação mensal, banco de horas, jornada 12x36 –, a remuneração e a possibilidade, segundo os reformistas, da dispensa coletiva sem a negociação prévia com o sindicato profissional.
Inexiste incoerência na Lei 13.467/2017, chamada “Reforma Trabalhista”: o negociado sobre o legislado está posto em um ambiente de severa restrição financeira da representação sindical, sobre um rol de matérias restritivo, tornando possível vislumbrar no horizonte a impossibilidade da adequada representação sindical ou mesmo a sua desnecessidade para o funcionamento das relações verticais de trabalho.
A Medida Provisória nº 905, quanto ao aspecto analisado, é texto com força de lei mais sincero quanto aos seus propósitos: visa reduzir o espaço de negociações coletivas, pretensamente colocando-se, inclusive, sobre eventual texto normativo.
Conforme a inovação, está autorizado o trabalho aos domingos e feriados, sem a necessidade de intervenção sindical, devendo o repouso semanal coincidir com o domingo, no mínimo, uma vez no período máximo de sete semanas para o setor industrial.
O fornecimento de alimentação, seja in natura ou seja por outros meios previstos em lei, não possui natureza salarial e nem é tributável para efeito da contribuição previdenciária e dos demais tributos sobre a folha de salários.
A participação nos lucros ou nos resultados de que trata a Lei 10.101, de 19 de dezembro de 2000, poderá ser fixada diretamente com o empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
E são válidos os prêmios de que tratam os parágrafos §2º e §4º da Lei 13.467/2017, inclusive por ato unilateral do empregador, ajuste deste com o empregado ou grupo de empregados, quando pagos exclusivamente a empregados, de forma individual ou coletiva, decorram de desempenho superior ao ordinariamente esperado, avaliado discricionariamente pelo empregador, sejam limitados a quatro vezes no mesmo ano civil e, no máximo, de um no mesmo trimestre civil, com regras pré-definidas.
Vê-se que as disposições sobre o trabalho aos domingos e feriados, a natureza jurídica da alimentação, o plano de participação nos lucros e nos resultados e os prêmios, passam a prescindir, no todo ou em parte, da intervenção sindical.
O parágrafo único do artigo 4º da Medida Provisória nº 905 é mais emblemático ao preconizar o seguinte: os trabalhadores a que se refere o caput gozarão dos direitos previstos no Decreto-Lei nº 5.452, de 01º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho, e nas convenções e nos acordos coletivos da categoria a que pertença naquilo que não for contrário ao disposto nesta Medida Provisória.
Aos trabalhadores sob o regime de Contrato de Trabalho Verde e Amarelo são reconhecidas a aplicação da CLT e das normas coletivas, mas, possivelmente, não será possível a recomposição normativa de direitos flexibilizados pela MP 905, pois o texto coloca as disposições da modalidade de contrato acima das possibilidades de negociação das representações sindicais.
Portanto, a Lei 13.467/2017 e a Medida Provisória nº 905, que dá seguimento à ampla flexibilização dos direitos trabalhistas, tem o real sentido de suprimir ou diminuir os espaços de negociação coletiva entre as entidades representativas de trabalhadores e empregadores, pois passam a albergar em lei toda sorte de figuras contratuais e possibilidades de jornada capazes de tornar o contrato de trabalho por tempo indeterminado com a observância dos limites da 8ª hora diária e 44ª hora semanal figura rara no universo das relações de trabalho em nosso País.
[1] Texto apresentado por ocasião do Seminário de Preparação das Negociações Coletivas 2020/21, da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Estado do Rio Grande do Sul – FTIARS, como material de apoio dentro do “Mini Curso” sobre a MP 905, com o objetivo de levar ao conhecimento da categoria os aspectos gerais da inovação legislativa em enfoque e os seus potenciais efeitos nas futuras negociações coletivas